segunda-feira, 8 de julho de 2013

Sessão Grandes atores-Elias Gleizer: "Sempre adorei a solidão"

 Ficheiro:Elias Gleizer.jpg
O elevador chega ao 21º andar de um condomínio na Barra da Tijuca. A porta está entreaberta e Elias Gleizer, 79 anos, sentado no sofá da sala, com um sorriso de boas-vindas. “Pode entrar, que já mandei esquentar um cafezinho”, diz. Sua aparente tranquilidade não condiz com o sufoco pelo qual passou nos últimos dois anos. O aparelho de diálise no canto do sofá é uma pista. Gleizer foi internado três vezes, devido a complicações de um problema renal crônico, acentuado pela idade e por maus hábitos alimentares. “Os médicos iam descobrindo várias coisas no CTI. Me colocaram até um marca-passo por causa de uma veia entupida atrás do coração”, conta o ator, que faz diálise, em casa, quatro vezes por semana.
Elias (Foto: Marcelo Correa)
O corpanzil e o perfil bonachão, marcantes em vários papéis na TV, incluindo mais de dez padres, ficou para trás. Dos 120 quilos, Gleizer despencou para 67. Agora, com 75 quilos, quer voltar à ativa. Seu último personagem foi em Passione (2010). “Preciso trabalhar. Não posso ficar em casa parado, senão vou morrer. Amo o que faço. Que leiam isso e me chamem. Logo!”, pede ele, que optou por uma vida sem casamento nem filhos. “Sou um lobo solitário”, afirma, sem mágoa ou arrependimento.
QUEM: O senhor esteve três vezes internado desde 2011. Como foi a recuperação?
ELIAS GLEIZER:
Emagreci muito, passei dos 120 quilos para os 67, e agora estou com 75. Melhorou tudo. Os médicos iam descobrindo várias coisas no CTI. Me colocaram até um marca-passo por causa de uma veia entupida atrás do coração. Tinha efeitos colaterais, porque (o problema renal) afetava outros órgãos e eu não sabia a dimensão da coisa. Vivia enfiando o pé na jaca, bebendo, comendo de tudo. Uma hora o médico me alertou e tomei jeito.
QUEM: Como está a saúde?
EG:
Estou perfeito, não tenho mais nada. O problema é só me equilibrar na bengala. Não tenho tanta confiança em andar, então fico com ela na mão. Agora, para representar, tem de ter cabeça, e não perna. Não sou lutador de capoeira, sou ator. De vez em quando, vou ao Projac visitar os colegas e comer no bandejão.
QUEM: Quando o público poderá matar saudades suas?
EG:
Meu grande problema é não fazer nada. Quero trabalhar. Tenho a impressão de que eles (os diretores da TV Globo) estão esperando alguma novela para me chamar. Não posso parar, não posso me sentir inútil.
QUEM: Como é viver sozinho? Não ter filhos foi uma decisão sua?
EG:
Sim. Sou um lobo solitário, sempre adorei a solidão. Então, não prejudicou nada. Nunca me fez falta ter alguém, porque nunca fico sozinho... Leio, ouço música, vejo filmes, o tempo vai passando. Quando estou trabalhando, fica mais fácil ainda.
 
QUEM: Qual é a maior vantagem de viver sozinho?
EG:
É um dom pessoal. Conheço gente que se separa e diz que vai ser que nem eu, mas duas semanas depois está com alguém. Sei me virar. Aprendi a fazer macarrão à putanesca, aos quatro queijos. Comida pesada, mas boa!
QUEM: E qual a desvantagem?
EG:
Não sei. Chego à casa e não tem ninguém pedindo nada. Esse sossego, essa concentração... Ficar em casa é um prazer, sair também. Procuro me manter o tempo todo ocupado.
QUEM: Em algum momento viveu com uma mulher sob o mesmo teto?
EG:
Ih, faz tempo. O melhor é cada um na sua. Assim não me enche o saco. Já fui muito namorador. Agora estou parado. Já fiz tudo que tinha de fazer, graças a Deus. Aliás, não preciso nem que Deus me ajude, porque já me ajudou muito. Que vá ajudar quem precisa.
QUEM: A história de sua família remete à Primeira Guerra Mundial. O que traz dessa época na memória?
EG:
Meus pais vieram fugidos da Polônia em guerra. Nasci aqui. Meus pais contavam da miséria que era lá, da fome. Eles vieram enganados para São Paulo. Acharam que iam para a América do Norte, aí desceram em Santos, pegaram um trem para São Carlos e foram trabalhar na expansão da estrada de ferro. Depois vieram para o Rio de Janeiro. Meu pai era sapateiro na Polônia e aqui no Brasil abriu uma sapataria.
 
QUEM: Apesar da infância pobre, como se interessou pelas artes?
EG:
Meu pai, certa vez, chegou em casa com um violino e me fez aprender a tocar com um professor. Cheguei a tocar numa orquestra juvenil, num clube que tinha um teatro. Um dia, o diretor perguntou se eu queria um papel. Daí fui emendando uma peça na outra. Teve um festival e fui premiado como o melhor coadjuvante. Naquela época, os diretores de TV iam assistir aos festivais
QUEM: Ainda segue o judaísmo?
EG:
Sou um judeu falsificado. Um amigo meu tem uma sinagoga e eu falo para ele que não tenho como seguir a religião porque não posso deixar de trabalhar às sextas-feiras e aos sábados. Judeus respeitam isso. Sou judeu, mas vi os discursos do papa Francisco e achei maravilhosos.
QUEM: É curioso que um dos atores que mais fez padres na TV brasileira seja judeu.
EG:
O arcebispo de São Paulo, dom Evaristo Arns (que deixou o cargo em 1998), um dia me convidou para ir à diocese. Eu gravava uma série na qual fazia um padre. Me ofereceu chá, café... Daí perguntou se eu sabia por que ele tinha me convidado. Era porque eu era o único judeu católico do mundo (risos). Mas já desisti de fazer um papa, porque nunca fui promovido sequer a bispo!
QUEM: Por ser de outra geração, como vê assuntos como o casamento gay?
EG:
Você nasce e se desenvolve. Chega uma hora em que quer ser gay, ótimo, opção sua. Mas para que casar? Faz um testamento e compartilha seus bens, pronto. Antigamente, a família no Nordeste fazia questão de ter um padre ou uma freira no meio, era orgulho. Hoje parece que é orgulho ter filho gay. Não acredito que (ser gay) seja de nascença.
Veja mais (Foto: Revista QUEM)
QUEM: Seria o quê?
EG:
Tudo depende da sua cabeça e das companhias. Tem gay no meio artístico, assim como tem no Exército, em todo lugar. Como ela (a classe artística) é mais reduzida, está mais exposta. Você pode ter opção sexual, mas sair falando para quê? Não entendo.
QUEM: Assiste às novelas?
EG:
Sim. Acompanhei Salve Jorge. Tem uma hora em que é tanta calamidade que eu paro. O galãzinho tem olho azul e já é protagonista. Não que eu seja contra, mas, se pegar um sujeito que nunca fez nada e já colocá-lo como protagonista, não vai ser mais nada na vida. Em Sangue Bom, não conheço quase ninguém. É um prolongamento de Malhação. No meu tempo, a gente fazia figuração e ficava de olho nos atores. Hoje passa na praia um cara de olho azul, o diretor vê e é contratado.
QUEM: O que banalizou a carreira do ator?
EG:
Não foi a televisão, mas o equipamento, o sistema. Eu comecei ao vivo, tive de segurar árvore de cenário, senão ela caía. Agora o sujeito não faz nada, tem todo um recurso. Não entende o todo. E tem muita gente ruim, né? Acredito nos que vieram do teatro, não nos que vieram da praia.
QUEM: O que o senhor deixou de fazer por causa da idade?
EG:
Viajar sozinho. Tive a oportunidade de ir a vários países, inclusive o Japão. A única coisa que você leva deste mundo é aquilo que conhece. Quero ser cremado. Que metade das minhas cinzas seja jogada neste condomínio e a outra metade, no mar. (Ao encerrar a entrevista, ele pede para falar mais um pouco.) Eu preciso trabalhar. Não posso ficar em casa parado, senão vou morrer. Amo o que faço. Que leiam isso e me chamem. Logo!

Televisão[carreira]

Nenhum comentário:

Postar um comentário