O destino daquela Rede, fundada 30 anos antes pelo jornalista Assis Chateaubriand Bandeira de Mello estava selado! Enquanto isso, em suas casas, os telespectadores assistiam aflitos e comovidos a essa cena agonizante, que certamente foi a mais triste e dramática história já transmitida por uma estação de televisão – seu próprio fim. Em seus derradeiros instantes, o ator e locutor Cévio Cordeiro ainda lia uma mensagem direcionada ao Presidente da República implorando para que o pior não acontecesse.
Enquanto isso em um GC que bailava de forma intermitente na tela do televisor, os telespectadores podiam ler uma mensagem que dizia “Até breve telespectadores amigos. Rede Tupi”. Nesse momento um engenheiro do Dentel (Departamento Nacional de Telecomunicações), sob ordem do então Presidente da República, João Baptista Figueiredo, retirava equipamentos vitais para o funcionamento do transmissor e consumava a lacração da TV Tupi do Rio de Janeiro. A de São Paulo (Pioneira da América do Sul e quinta televisão do mundo), já havia sido retirada fora do ar horas antes, bem como as TVs Piratini (Porto Alegre), Itacolomi (Belo Horizonte), Marajoara (Belém), Ceará (Fortaleza) e Rádio Clube (Recife).
Um desses heróis anônimos, que junto aos seus colegas esforçou-se até o derradeiro instante em sua trincheira para tentar reverter esse desfecho tão trágico quanto ingrato, foi Jorge Henriques Alves. Jorjão, como era conhecido entre os colegas, era um profissional já na época experimentado na área de televisão. Durante os últimos 17 anos esteve atuando naquela emissora sendo testemunha ”in loco” de muitos e muitos acontecimentos que hoje fazem parte da história da televisão no Brasil. É Jorjão quem bate um papo agora com o Blitz e revela algumas dessas histórias.
Por: Hugo Kochenborger da Rosa*
BLITZ - Jorge, quando você entrou para o quadro de funcionários da TV Tupi?
Jorge Henriques Alves (JH) - Ingressei na TV Tupi no dia 22.11.1963. Não poderia jamais esquecer dessa data, mesmo que quisesse!! O mundo estava em polvorosa, pois naquele dia havia sido assassinado o Presidente dos Estados Unidos, John F. Kennedy. Houve muita confusão entre as diversas redes de televisão do mundo todo, pois todas queriam dar primeiro o furo de reportagem. O mundo literalmente estava parado por conta da gravidade desse fato.
BLITZ - Qual era sua função na estação?
JH - Minha primeira função na emissora foi a de arquivista. Depois de arquivista, fui operador de vídeo, operador de VT níveis C, depois B e A (montador) e finalmente chefe do setor.
(FOTO JORGE HENRIQUES ALVES / FOTO ARQUIVO)
BLITZ - Como era a convivência com os demais colegas?
JH - Poderia dizer que era a melhor possível. Era um ambiente maravilhoso, praticamente uma família. A televisão era muito mais humana naquela época. Apesar de não se ter o mesmo apuro técnico dos dias hoje, tudo o que era feito, era realizado com muito carinho e respeito pelo telespectador, ao contrário de muita coisa que atualmente é levada ao ar pelas emissoras.
BLITZ - Comente algo sobre os equipamentos que você operava na época.
JH - Basicamente eram os aparelhos de vídeo-tape, com os quais captávamos, editávamos e levávamos ao ar imagens previamente gravadas para serem veiculadas num momento seguinte. Essas imagens poderiam ser um jornal, telenovela, comercial, e assim por diante. Técnicamente falando, alguns desses equipamentos eram Quadruplex Rca Tr1/Tr 4 /Tr600/Ampex1100,/660 e Bcn 50 e 20.
BLITZ - Quais os principais cartazes artísticos com quem você lembra de ter convivido?
JH - Muitas figuras consagradas passaram pelo cast da emissora em todos aqueles anos. Poderia citar meio que por alto Flavio Cavalcanti, Chacrinha, Aerton Perlingeiro, Chico Anísio, J.Silvestre e o proprio Silvio Santos, isso sem contar o elenco de atores, muitos dos quais ainda em atividade em outras emissoras.
BLITZ – Qual sua visão sobre o fundador da Rede Tupi, o Dr. Assis Chateaubriand Bandeira de Mello?
JH- Foi um gênio! Pessoa extremamente empreendedora e conhecedora. Montou um império que em seu auge era composto por 36 emissoras de rádio, 18 revistas, 36 jornais, 18 emissoras de televisão, sem falar na Revista semanal O Cruzeiro. Mas a “cereja do bolo” da obra de Chateaubriand sem duvida foi a ousadia de montar a primeira emissora de Televisão da América do Sul, que foi a pioneira TV Tupi de São Paulo, em 1950. No ano seguinte entraria em atividade a nossa emissora, ou seja, a TV Tupi do Rio. No Rio Grande do Sul, a estação da rede, que era a TV Piratini, Canal 5, seria fundada em Porto Alegre oito anos depois, ou seja, em dezembro de 1959. Seu sinal atingia a maior parte do estado. Infelizmente Chateaubriand antes de morrer, subdividiu em testamento todo o seu império em condomínios, e esse sistema condominal acabou se revelando bastante ineficaz. O resultado disso tudo foi um grande déficit financeiro, que acabou sendo o estopim para que a TV Tupi fosse tirada do ar. A situação tornou-se mais grave porque a nossa estação não era vista com muita simpatia por parte do governo militar. Sua preferida era uma outra rede de televisão... Tanto é que temos a certeza, que se fosse colocado um interventor por parte do governo na rede, o problema que havia poderia ter sido contornado, até porque de todas as praças da TV Tupi, somente as do Rio e São Paulo estavam operando no vermelho. As demais estavam em situação financeira saudável, ou seja, os problemas que haviam não poderiam justificar uma atitude tão drástica como a do cancelamento sumário da concessão de toda uma rede de televisão.
BLITZ – Descreva pra gente os principais programas da emissora em seu tempo?
JH - Apesar da simplicidade, citaria no jornalismo, o Repórter Esso. Ainda que fosse praticamente um jornal falado lido diante das câmeras (Uma delas operando num plano aberto e outra em um plano mais fechado), diria que o Repórter Esso era um informativo de muita credibilidade diante da opinião pública. Algumas das matérias lidas eram ilustradas com imagens estáticas do tipo slide e eventualmente entravam em cena imagens em movimento. O Repórter Esso foi um marco na televisão brasileira na época, e inspirou muitos outros telejornais, inclusive o próprio Jornal Nacional da Rede Globo. No esporte, principalmente nos primeiros anos, a coisa era muito complicada. Antes do surgimento dos Videotapes, o cinegrafista ia ao campo com um filme de cerca de 7 minutos de duração, onde tinha que registrar os principais lances, melhores momentos e ainda os gols. Era uma dificuldade imensa fazer uma reportagem esportiva para a televisão naqueles tempos. No terreno infantil não da pra esquecer especialmente do Clube do Guri, que ficou no ar de 1955 a 1976, e era apresentado por Collid Filho, e ainda o programa do Palhaço Carequinha, veiculado nas décadas de 50 e 60, sendo que Carequinha chegou também a fazer programas exclusivos para os gaúchos, nos estúdios nossa emissora no RS, a TV Piratini. Enfim, figuras hoje lembradas com saudades pelas pessoas e que fizeram a alegria da garotada durante muitos anos. Depois teve também o Capitão Aza, vivido por Wilson Wianna a partir de 1966, e que permaneceu no ar até 1979. Outro grande sucesso da TV Tupi.
(- Imagem Emblemática: Operador de câmera da TV Tupi do Rio chora, ao ver a emissora fora do ar após as 18 horas de vigilia / )
BLITZ – E os programas musicais?
JH - Consideraria o programa “A Grande Chance”, apresentado por Flávio Cavalcanti, um dos maiores reveladores de talentos de todos os tempos na televisão brasileira. Muitos dos grandes nomes da MPB de hoje, tiveram sua primeira oportunidade nesse programa da TV Tupi. Alguns deles: Armandinho (A Cor do Som), Alcione, Leci Brandão, Emilio Santiago, entre muitos outros. Em 1979 a emissora promoveu um grande Festival de MPB, onde despontaram talentos como Oswaldo Montenegro que defendeu a música Bandolins, os gaúchos Kleiton & Kledir (Maria Fumaça), Alceu Valença (Coração Bobo), Raimundo Fagner (Quem Me Levará Sou Eu).
BLITZ – E na área da teledramaturgia, relacione algumas novelas produzidas pela Rede Tupi.
JH - Foram bem mais de 100 novelas produzidas pela emissora ao longo de seus quase trinta anos de existência. Quase todos os grandes atores e atrizes surgidos até o final dos anos 70 na televisão Brasileira participaram de alguma obra de teledramaturgia da TV Tupi. Algumas novelas que me ocorrem no momento: Antonio Maria (1968/69), Beto Rockefeller (1968/69), Super Plá (1969/1970), Bel Ami (1972), A Viagem (1975-76), Tchan! A Grande Sacada (1976/77), O Profeta (1977/78), Cinderela 77 (1977).
(Palhaço Carequinha, uma das principais atrações infantis da emissora / )
BLITZ - Você se recorda de alguma gafe memorável ou alguma situação engraçada que tenha presenciado em sua passagem pela televisão?
JH - Falando do tempo em que a teledramaturgia era ainda feita ao vivo, lembro de um fato bastante hilariante. Em certa ocasião quando foi dramatizada a “Descoberta do Brasil”, na hora em que Cabral avistava a terra, o contra-regra estava escalado para soltar uma pomba que deveria sobrevoar o cenário. Mas o que aconteceu foi que contra-regra, acidentalmente soltou a pomba antes da hora e ela foi com tudo em direção ao rosto do “Cabral”, que num reflexo de décimo de segundo tirou o rosto da reta, por pouco não sendo atingido pela ave. Mais engraçada que a situação em si, foi ver a expressão perplexa do rosto do ator diante das câmeras naquele momento. (Risos)
BLITZ – No começo da crise da emissora, ainda nos anos 70, teve um momento onde você foi uma peça fundamental para por a “casa em ordem”. Como foi que isto se deu?
JH – Em 1974 a Tupi do Rio estava com problemas de atrasos salariais dos funcionários de alguns meses, e então a Tupi de São Paulo assumiu a cabeça de rede. Muitos equipamentos foram enviados da Tupi do Rio para a de São Paulo. Como eu editava os VT´s num TR 70 que era um equipamento novo, e São Paulo precisava de novos editores, fui um tempo para lá. Quando lá cheguei as novelas Barba Azul (de Ivani Ribeiro), Ídolo de Pano (de Teixeira Filho) e O Machão (de Sérgio Jockyman com argumento de Ivani Ribeiro), estavam até reprisando os capítulos já veiculados por falta de pessoal habilitado para fazer as edições dos capítulos seguintes naquele novo equipamento. O que complicava mais ainda as coisas é que na época a geração de sinal via satélite pela Embratel entre Rio e São Paulo era bastante deficiente, e sobretudo cara. Ficar repetindo geração de programas era complicado. Então essa foi uma solução paliativa que a direção da emissora encontrou até que tudo voltasse à normalidade. Dessa forma, foi possível colocar a edição das telenovelas em dia e regularizar novamente a programação levada ao telespectador. E uma curiosidade sobre essas telenovelas que acabei de citar. O Machão até hoje foi a terceira telenovela de maior duração na TV Brasileira. Teve nada menos que 371 capítulos. Parte dela foi feita em preto e branco e o restante em cores, já no período em que passei a usar os novos equipamentos de edição. Outra curiosidade: A Gata Comeu, que já recebeu duas versões por parte da Globo não é nada mais, nada menos que um remake da novela Barba Azul.
Epílogo: Os Diários Associados ganharam na Justiça em 1998 ação indenizatória contra o Governo Federal, e terão de ser indenizados pela intervenção que resultou na perda de 5 dos 7 canais das Emissoras Associadas, que não enfrentavam dificuldades financeiras na época.
*Colaboração: www.wix.com/hugolocutor/jornalista
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